sábado, 13 de janeiro de 2018

Entre silêncios e diálogos

Havia uma desconfiança: o mundo não terminava onde os céus e a terra se encontravam. A extensão do meu olhar não podia determinar a exata dimensão das coisas. Havia o depois. Havia o lugar do sol se aninhar enquanto a noite se fazia. Havia um abrigo para a lua enquanto era dia. E o meu coração de menino se afogava em desesperança. Eu que não era marinheiro nem pássaro - sem barco e asa.
Um dia aprendi com Lili a decifrar as letras e suas somas. E a palavra se mostrou como caminhos poderosos para encurtar distância, para alcançar onde só a fantasia suspeitava, para permitir silêncio e diálogo.
Com as palavras eu ultrapassava a linha do horizonte. E o meu coração de menino se afagava em esperança.
Ao virar uma página do livro, eu dobrava uma esquina, escalava uma montanha, transpunha uma maré.
Ao passar uma folha, eu frequentava o fundo dos oceanos, transpirava em desertos para, em seguida, me fazer hóspede de outros corações.
Pela leitura temperei a minha pátria, chorei sua miséria, provei de minha família, bebi minha cidade, enquanto, pacientemente, degustei dos meus desejos e limites.
Assim, o livro passou a ser o meu porto, a minha porta, o meu cais, a minha rota. Pelo livro soube da história e criei os avessos, soube do homem e seus disfarces, soube das várias faces e dos tantos lugares de se olhar. No livro soube do Gêneses e no livro leio novos testamentos do percurso. Ler é aventurar-se pelo universo inteiro.


(Bartolomeu Campos de Queirós, Sobre ler, escrever e outros diálogos. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p. 63.)

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